Aqui estou, depois de um longo ano de pausa, reflexões, experimentos colocando à prova as habilidades adquiridas... retornando. De lá prá cá, muita água passou debaixo desta ponte e ainda com o eco do seu burburinho neste movimento, escrevo para contar para vocês um pouco do que se passou e por onde ando agora.
Como começar esta mensagem? Fui aos posts antigos do blog e reconheci neles uma consciência que eu já tinha sobre o que seriam os meus então próximos passos, aqueles que me trouxeram de março/abril de 2013 a maio de 2014. Resolvi então começar... de onde parei.
Postado em março de 2013 sob o título "Novas Paisagens"(clique para ver no blog Pássaro Achado): "As águas de Março vão fechando o verão (por vezes mui furiosamente, sacudindo convicções) e enquanto isso o Pássaro Achado se prepara para novas paisagens e vai se despedindo da Vila Madalena... A pequena casinha na Rua Girassol que nos acolheu tão gostosamente nos últimos dois anos, já não cabe muito no que nos tornamos, no que pretendemos ser. Com carinho, ela vai deixar de ser a Casa Pássaro - e esta vai se materializar em outro lugar, tão gostoso quanto (ou mais, esperamos). (...) Na terra ou nas nuvens".
As chuvas vieram torrenciais naquele ano. Lavaram tudo e trouxeram o novo. E, como no post acima, sacudiram o que ainda estava confuso. Uma decisão estava tomada, mas eu ainda não tinha uma compreensão exata do que significaria. O encerramento daquela Casa Pássaro foi precioso, cheio de gratidão e com um lindo presente para a comunidade da Vila Madalena e para minhas queridas clientes: a ocupação "Casa Vazia", de Selma Perez.
Postado em nossa página no Facebook em 18 de abril de 2013 (clique para ver no facebook.com/passaroachado): Entre tecidos, esquecida no tempo, a máquina de costura, objeto do ofício, do não esquecimento, da memória que ainda não foi. Casa Vazia, de Selma Perez. Ocupação Casa Pássaro. E no blog, no post "Casa Vazia", ficou o registro: "Todo mundo carrega uma casa vazia, a casa da infância, a casa que ficou para trás".
Abril chegou com seus ventos frios e um novo ciclo se iniciava finalmente. Eu me retirei daquele espaço que carinhosamente chamamos de Casa Pássaro pelos últimos dois anos. Embora com um grande aperto no coração, no fundo - confesso - havia um alívio. Afinal ser criadora, designer, empresária, vendedora, realizadora, estava demasiado pesado para mim em meu pequeno ateliê, numa época e em um mundo sacudido por uma grande crise. Vez ou outra, leio e releio o que deixei escrito no blog como despedida, num post que já no seu título declarava: "Com Amor". Era uma dedicatória para o futuro:
"Às minhas queridas clientes, meus queridos vizinhos, aos que passaram pela Casa Pássaro, para uma compra, uma boa conversa, um chá quentinho no inverno, gelado no verão, canjica no dia de São João, minhas costureiras queridas, modelistas, Zézinho cortador mais que perfeito, amigos conselheiros, de toda hora, que vieram comigo, que vão comigo, Elaine querida, Rogério, Sofia e Lourenço, meu núcleo seguro; minha gratidão por todos estes dias passados nesta casa tão acolhedora. Daqui parto com o coração cheio de gratidão. E levo comigo belos momentos, lembranças, imagens. Pequenos passarinhos no meu ninho ... Que vão novamente alçar voos em outras céus, montanhas, terras, mares ... ".
Enquanto isso... uma história seguia paralela.
Em janeiro de 2013 eu encerrava a minha formação em Aconselhamento Biográfico. Por quatro anos, me dediquei a aprender este processo terapêutico de apoio ao indivíduo em situações de crise nos seus relacionamentos, no âmbito profissional ou na saúde, que são consideradas do ponto de vista das leis biográficas. Durante um aconselhamento biográfico você revê a sua vida e esta vivência imaginativa - diferentemente da mera recordação - intensifica o conhecimento de si até o ponto onde você consegue captar a dinâmica de sua própria história, suas experiências, sua existência, percebendo-se como um ser em processos de crescimento, de evolução. Sabia que não teria condições de exercer este trabalho tão cedo: atelier+loja consumia todo o meu tempo. Mas sabia também, que queria unir estas duas habilidades: biografia+costura Voltando ao meu retorno do atelier da Vila Madalena para o do Alto da Boa Vista, deixei tudo trancado por alguns dias, fiquei “digerindo” os acontecimentos. Ainda com a alma cheia com a instalação de Selma Perez, me dei o tempo necessário. Quinze dias depois, abri as portas e as janelas, olhei ao redor e comecei a projetar como colocaria tudo dentro das minhas possibilidades, em seus lugares e como seriam estes lugares. Lá no meu espaço no Alto da Boa Vista, reservei um cantinho para os atendimentos biográficos, enquanto montava um novo atelier.
Dois dias depois, encontro minha futura primeira cliente que, olho no olho, me escolheu para fazer o seu biográfico. Com este chamado, não pude ter um segundo de vacilo. Pedi uma semana e coloquei-me a organizar animadamente meu espaço. Vinte dias depois do fechamento do atelier/loja na Vila Madalena, estava eu com meu Pássaro em seu novo ninho, gestando seus filhotes ... De lá para cá atendi várias outras pessoas, exercitando meus conhecimentos, aprendendo com todos eles, olhando para suas histórias (todas lindas), e podendo ajudar cada um a apropriar-se de suas próprias vidas.
Comecei a recordar o quanto foi importante aquele contato no provador da Casa Pássaro, com cada cliente, seus corpos, suas buscas, percebendo o quanto é difícil para todos nós lidarmos com o mundo a nos dizer o que devemos usar, ser, como comportar ... De certa forma, foram pequenos insights biográficos com minhas clientes, através do diálogo sobre seus corpos, seus gostos, ajudando-as a ver o belo, o verdadeiro que reside em cada um. Comecei a perceber também este limite que há entre o corpo e o mundo, a roupa. Esta “fronteira” que nos trás tantos sentimentos. A roupa com que nos apresentamos ao mundo. Seja ela de qual natureza for: simples, cool, clássica, fashion, moderna, vintage, do tipo "não ligo prá nada", esportiva, todas nos dizem algo sobre nós mesmos para o outro que está diante de nós. Fui fazendo várias ligações, dando sentido ao vir a ser deste novo Pássaro. Eu mesma, uma mulher grande, sempre tive dificuldades de achar as roupas que me agradavam. Através desta dificuldade, aos 16 anos comecei a costurar. Me libertei! Fazíamos eu e minhas irmãs, roupas fantásticas que nos deixavam “diferentes” e traziam muita personalidade e força para enfrentar, na adolescência, todas as dificuldades próprias desta época. Aqui, roupa como escudo. Inquieta, queria unir a costura, os vestidos, ao biográfico. E como todo trabalho biográfico é acompanhado de um trabalho artístico, comecei a amadurecer uma vontade já antiga de realizar o projeto ...
... Meu Vestido.
Escrevi um pouco sobre isso, fiz um projeto piloto e apresentei a uma amiga que trabalha na Associação Comunitária Monte Azul que adorou e quis realizar o trabalho com suas “cuidadoras”, pessoas que trabalham na Associação e que têm acesso a workshops para a conquista de auto conhecimento, contato com a arte, com o fazer com as mãos, com o belo, com seu próprio corpo, seus sentimentos e desejos. Foi assim que iniciei com seis mulheres fascinantes o primeiro esboço do Meu Vestido - os vestidos biográficos.
Um trabalho intenso, de uma beleza indescritível, em que cada uma pode dedicar-se à sua biografia e nela encontrar elementos para construir o seu vestido único, aquele que é criado inspirado em sua própria vida! Com um carinho imenso, quero apresentar para vocês os resultados deste projeto piloto: vestidos-esculturas, vestidos-telas, vestidos-livros. E até vestidos para usar. Cada um muito particular e único, criado e produzido do início ao fim por cada participante deste primeiro workshop.
- Nestas imagens os primeiros resultados do "Meu Vestido", oficina realizada na primavera de 2013 na Associação Comunitária Monte Azul -
O processo foi maravilhoso: poder escutar cada história, olhar para elas amorosamente, acolher cada dor, alegria, ferida, memórias guardadas e não compartilhadas, defesas adquiridas a partir destas experiências/memórias que nos levam para a vida. Às vezes elas nos impedem e até imobilizam, porque não queremos enfrentá-las ou porque não temos consciência delas pois nossa defesa foi... esquecê-las. Mas se transformadas, podem se tornar ferramentas de trabalho, de vida, como é o meu caso.
Mas isto é uma história que um dia contarei: como cheguei aqui, aos 50 anos, passando por tantos caminhos, buscando o meu lugar que só foi revelado quando olhei para a dor de uma menininha, lá no passado, com seus 5 anos e o seu vestido mais querido!
Prometi que daria notícias. Aí estão. Aqui estou.
Abraços carinhosos,
Adriana Franca
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